localização

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Última Entrevista de Paulo Freire - 17 de abril de 1997




II Parte

Paulofreire.ufpb.br

http://www.youtube.com/watch?v=fBXFV4Jx6Y8

O Ser Humano em Evolução

        Eu acho que somos homens e mulheres, seres inacabados, mas com uma diferença radical em face do inacabamento das árvores, do inacabamento dos outros bichos por exemplo. E no momento em que nos tornamos capazes de nos saber inacabados, seria uma imensa contradição se ao mesmo tempo, não nos inseríssemos num movimento que é permanente e que é um movimento de busca, um movimento de procura . O processo em que nos inserimos de permanente busca , eu venho chamando de vocação do ser mais. Na busca ou no processo de busca da completude dessa vocação do ser mais, nos perdemos também, quer dizer, estamos a uma indiscutível possibilidade de distorcer o processo de busca do ser mais, e a essa distorção, eu chamo de desumanização, quer dizer a desumanização por isso mesmo não é virtuosa, a desumanização é um acidente, trágico a que nós estamos sujeitos , no processo de buscar a nossa humanização crescente. O que nós temos pela frente é exatamente essa caminhada, em que ser e deixar de ser , se embatem. Haverá sempre a possibilidade das trágicas desistências de ser. A grande tarefa nossa de passar pelo mundo é exatamente a da briga constante, permanente, pela busca do ser mais.

A Fé

         Eu me situo entre os que, primeiro entre os que crêem na transcedentalidade, segundo eu me situo entre aqueles que crendo na transcedentalidade, não dicotomizam a transcedentalidade da mundanidade, quer dizer, em primeiro lugar no ponto de vista do próprio senso comum, eu não posso chegar lá a não ser a partir de cá, se cá, se aqui é exatamente o ponto que eu me acho para falar de lá, então é daqui que eu parto, e não de lá. Eu respeito o direito que tem de decotomizar , mas eu não aceito a dicotomia. Então quer dizer , isso coloca a questão da minha fé , da minha crença, que indiscutivelmente interfere na minha forma de pensar o mundo. Poucos dias antes de Darci Ribeiro morrer , eu ouvi uma linda entrevista dele, que deve ter sido uma das ultimas que ele deu, em que ele falava desta questão dessa passagem, e ele dizia com muita seriedade, com muita amorosidade, que isso foi sempre o que ele foi , um homem sério, um homem amoroso indiscutivelmente, e um homem corajoso, um homem que lidou com a vida/morte de maneira poética inclusive, e ele dizia se a minha, se a questão da fé passasse mesmo pela razão critica, eu até que teria fé, eu me ri e ele rindo, amoroso dizia eu fiz tudo, mas não deu, no fundo ele disse com palavras que eu não sei repetir aqui e agora, por exemplo, eu não sou mais do que meu cadáver , quando eu morro sou um monte de coisas que se desfazem. E quando Darci dizia aquilo com uma sinceridade enorme, com uma grande lealdade, eu dizia a mim mesmo que comigo o processo foi diferente, eu nunca precisei, e nisso eu esteja um pouco humilde também, mas eu nunca precisei de brigar muito comigo mesmo para me compreender na fé , entende, e por isso mesmo de vem em quando eu me lembro de uma frase de uma das primeiras afirmações de um livro que eu li quando eu tinha 19 anos, de Miguel de Unamuno, o celebre filosofo amoroso também, espanhol, que se chama Idéias e Crenças, em que ele começa dizendo “As idéias se tem, nas crenças se está.” E comigo o que vem se dando é isso mesmo, quer dizer, eu estou na minha fé , entende, então eu nunca precisei inclusive de argumentações de natureza cientifica e filosofica para me justificar na minha fé.

Cristo meu Camarada

        Quando muito moço , muito jovem eu fui aos mangues do Recife, aos córregos do Recife, aos morros do Recife, as zonas rurais de Pernambuco, trabalhar com os camponeses, com as camponesas, com os favelados, eu confesso sem nenhuma churumingas, eu confesso que fui até lá movido por uma certa lealdade ao Cristo de quem eu era mais ou menos camarada, mas o que acontece, que quando eu chego lá, a realidade dura do favelado, a realidade dura do camponês, a negação do seu ser como gente, a tendência aquela adaptação de que a gente falou antes , aquele estado quase inerte diante da negação da liberdade, aquilo tudo me remeteu a Marx , eu sempre digo não foram os camponeses que disseram a mim “Paulo tu já leste Marx?”, não de jeito nenhum, eles não liam nem jornal, foi a realidade deles que me remeteu a Marx, e eu fui a Marx , e ai que os jornalistas europeus em 70 não entenderam a minha afirmação, é que quanto mais eu li Marx , tanto mais eu encontrei uma certa fundamentação objetiva para continuar camarada de Cristo , então as leituras que fiz de Marx , de alongamentos de Marx , não me sugeriram jamais que eu deixasse de encontrar Cristo na esquina das próprias favelas . Eu fiquei com Marx na mundanidade a procura de Cristo na transcedentalidade



Um comentário:

  1. Em pedagogia do Oprimido Paulo Freire fala em dois projetos politicos sociais. UM que possibilita o "ser mais" (humanizador) e outro que impede o "ser mais", que aposta no "ser menos". O projeto de "ser mais" é o projeto de libertação. O projeto de ser menos é de opressão e domínio. A discussão de paulo Freire é fundamental porque consegue ultrapassar a luta de classe no sentido economico classico. Coloca ao lado da luta pela igualdade economica (ter mais) a questão do "ser mais" livre e democratico.

    ResponderExcluir