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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Última Entrevista de Paulo Freire – 17 de abril de 1997

Paulo freire.ufbp.br - I Parte



Entrevista: Luciana Burlamaqui



             A entrevistadora introduz os trabalhos contextualizando como se deu as tratativas ao diálogo com Paulo Freire. A entrevista foi feita em sua casa no Alto Sumaré, zona oeste de são Paulo, quando chegamos seu único pedido foi, “Se eu começar a me cansar, a gente para , tenho estado muito cansado ultimamente. Comentou que estava escrevendo seu novo livro Cartas Pedagógicas, e que estava guardando toda sua energia para isso, mas na entrevista seus ideais, suas palavras, seu entusiasmo fizeram esmorecer qualquer cansaço à vista, e brindou aqueles preciosos minutos com muita sabedoria , e muita esperança .



Paulo Freire



As Marchas



                 Eu estou absolutamente feliz de estar vivo ainda e ter acompanhado essa marcha que como outras marchas históricas revelam o ímpeto da vontade amorosa de mudar o mundo, essa marcha dos chamados Sem Terra .

                  Eu morreria feliz , se eu visse o Brasil cheio em seu tempo histórico de marchas. Marcha dos que não tem escola, marcha dos reprovados, marcha dos que querem amar e não podem , marcha dos que se recusam a obediência servil , marcha dos que se rebelam , marcha dos que querem ser e estão proibidos de ser , eu acho que afinal de contas as marchas são andarilhagens históricas pelo mundo, e os Sem Terra constituem para mim hoje, uma das expressões mais fortes da vida política e da vida cívica desse país, por isso mesmo é que se fala contra eles, e até de gente que se pensou progressista, e que fala contra eles, como se fossem uns desabusados, como se fossem uns destruidores da ordem , não pelo contrário, o que eles estão é mais uma vez provando certas afirmações teóricas de analistas políticos, de que é preciso mesmo brigar, para que se obtenha o mínimo de transformação.

                  O que quero dizer selando a minha resposta , além de dizer da minha satisfação de estar vivo vendo isso, por exemplo, eu lamento tristemente que Darci Ribeiro já não possa saber, já não possa estar vendo e sentindo e vendo uma marcha como esta , eu fico, como eu acredito em Deus, eu agradeço muito a Deus por estar vivo e poder ver e saber que os Sem Terra marcham contra uma vontade reacionária histórica implantada neste país. E meu apelo quando termino a sua primeira pergunta , o meu desejo , o meu sonho como eu disse antes é que outras marchas se instalem nesse país, por exemplo a marcha pela decência , a marcha pela superação da sem vergonhisse que se democratizou terrivelmente neste país , quer dizer , eu acho que estas marchas nos afirmam como gente, como sociedade querendo democratizar-se.



O Ser Humano em Adaptação



               Indiscutivelmente do ponto de vista biológico, talvez nenhum outro ser tenha desenvolvido uma capacidade de adaptação as circunstancias maior do que o homem e a mulher . A adaptação num ser humano e um momento apenas para o que eu chamo a sua ou da sua inserção. O que é que, qual é a distinção que eu faço entre adaptação ao mundo e inserção no mundo. A distinção é a seguinte, é que na adaptação, há uma adequação, há um ajuste do corpo as condições materiais, as condições históricas, as condições sociais, geográficas, climáticas etc. E na inserção, o que há, é a tomada de decisão, no sentido da intervenção no mundo. Por isso mesmo eu recuso qualquer posição fatalista diante da história e diante dos fatos, eu não aceito por exemplo, expressões como; é uma pena que haja tantos brasileiros e tantas brasileiras morrendo de fome, mas afinal a realidade é essa mesma. Não. Eu recuso como falsa, como ideológica essa afirmação, nenhuma realidade é assim mesmo, toda a realidade esta aí submetida à possibilidade de nossa intervenção nela. Eu não tenho duvida nenhuma que a historia da luta pela justiça rural e agrária nesse país, que hoje o Movimento dos Sem Terra explicita, numa posição que não diria final , mas numa posição critica de quem se assume como sujeito da história, revela a superação da posição inicial da adaptação, da adequação, inclusive como uma forma de defesa . Para mim uma das preocupações minhas, uma das razões de minha luta , uma das razões de minha presença no mundo, é exatamente a de que como educador, eu posso contribuir para uma assunção crítica da possibilidade da passividade, para que se vá além dessa passividade, no que chamo de posturas rebeldes e de posturas criticamente transformadoras do mundo.

Um comentário:

  1. Gleidson Correa, muito bom partilhar o texto da última entrevista de Paulo Freire, é um material importantíssimo para todos nós brasileiros! Obrigado!
    Gostaria de te sugerir um texto de Mário Sérgio Cortella, acabei de publicar neste blog: http://artesemlei.blogspot.com
    força!

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